sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Crônica - "Uma lição inesperada"


João Anzanello Carrascoza



Uma lição inesperada

No último dia de férias, Lilico nem dormiu direito. Não via a hora de voltar à escola e rever os amigos. Acordou feliz da vida, tomou o café da manhã às pressas, pegou sua mochila e foi ao encontro deles. Abraçou-os à entrada da escola, mostrou o relógio que ganhara de Natal, contou sobre sua viagem ao litoral. Depois ouviu as histórias dos amigos e divertiu-se com eles, o coração latejando de alegria. Aos poucos, foi matando a saudade das descobertas que fazia ali, das meninas ruidosas, do azul e branco dos uniformes, daquele burburinho à beira do portão. Sentia-se como um peixe de volta ao mar. Mas, quando o sino anunciou o início das aulas, Lilico descobriu que caíra numa classe onde não havia nenhum de seus amigos. Encontrou lá só gente estranha, que o observava dos pés à cabeça, em silêncio. Viu-se perdido e o sorriso que iluminava seu rosto se apagou. Antes de começar, a professora pediu que cada aluno se apresentasse. Aborrecido, Lilico estudava seus novos companheiros. Tinha um japonês de cabelos espetados com jeito de nerd. Uma garota de olhos azuis, vinda do Sul, pareceu-lhe fria e arrogante. Um menino alto, que quase bateu no teto quando se ergueu, dava toda a pinta de ser um bobo. E a menina que morava no sítio? A coitada comia palavras, olhava-os assustada, igual a um bicho-do-mato. O mulato, filho de pescador, falava arrastado, estalando a língua, com sotaque de malandro. E havia uns garotos com tatuagens umas meninas usando óculos de lentes grossas, todos esquisitos aos olhos de Lilico. A professora? Tão diferente das que ele conhecera... Logo que soou o sinal para o recreio, Lilico saiu a mil por hora, à procura de seus antigos colegas. Surpreendeu-se ao vê-los em roda, animados, junto aos estudantes que haviam conhecido horas antes. De volta à sala de aula, a professora passou uma tarefa em grupo. Lilico caiu com o japonês, a menina gaúcha, o mulato e o grandalhão.

Começaram a conversar cheios de cautela, mas paulatinamente foram se soltando, a ponto de, ao fim do exercício, parecer que se conheciam há anos. Lilico descobriu que o japonês não era nerd, não: era ótimo em Matemática, mas tinha dificuldade em Português. A gaúcha, que lhe parecera tão metida, era gentil e o mirava ternamente com seus lindos olhos azuis. O mulato era um caiçara responsável, ajudava o pai desde criança e prometeu ensinar a todos os segredos de uma boa pescaria. O grandalhão não tinha nada de bobo. Raciocinava rapidamente e, com aquele tamanho, seria legal jogar basquete no time dele. Lilico descobriu mais. Inclusive que o haviam achado mal-humorado quando ele se apresentara, mas já não pensavam assim. Então, mirou a menina do sítio e pensou no quanto seria bom conhecê-la. Devia saber tudo de passarinhos. Sim, justamente porque eram diferentes havia encanto nas pessoas. Se ele descobrira aquilo no primeiro dia de aula, quantas descobertas não haveria de fazer no ano inteiro? E, como um lápis deslizando numa folha de papel, um sorriso se desenhou novamente no rosto de Lilico.


Por João Anzanello Carrascoza.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Crônica - "Ponta da Língua"


João Anzanello Carrascoza



Ponta da Língua


Cheia de graça é a nossa língua, portuguesa.
Você nem precisa aprender o á-bê-cê para rir com ela.
Desde pequeno já ouve dizer que mentira tem pernas curtas.
E mentira tem pernas?
E a verdade? A verdade tem pernas longas?
E quando dói a barriga da perna?
Ou quando ficamos de orelha em pé?
O que a barriga tem a ver com a perna, e orelha com o pé?
Pra ser divertido, não leve nada ao pé da letra!
Até porque letra não tem pé. Ou tem?
Pé-de-meia é o dinheiro que a gente economiza.
Pé-de-moleque, doce de amendoim.
Dedo de prosa é papo rápido.
Dedo-duro é traidor.
Pão-duro, pessoa egoísta.
E boca da noite? E céu da boca?
É uma brincadeira atrás da outra!
Cabeça de cebola, dente de alho, braço de mar.
Com a nossa língua, a gente pode pegar a vida pela mão.
Pode abrir o coração. Pode fechar a tristeza.
A gente pode morrer de medo e, ao mesmo tempo, estar vivinho da silva.
Pode fazer coisas sem pé nem cabeça.
Mas brincar com palavras também é coisa séria.
Basta errar o tom e você vai parar no olho do furacão.
Então, divirta-se. Cuidado só para não morder a língua portuguesa!


Por João Anzanello Carrascoza.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Crônica - "Escorrendo"


Antônio Prata



Escorrendo


Aos 5 anos de idade o mundo é esmagadoramente mais forte do que a gente. (Aos 30 também, mas aprendemos umas manhas que, se não anulam a desproporção, ao menos disfarçam nossa pequenez.) 

A ignorância não é uma bênção, é uma condenação: compreender a origem dos nossos incômodos faz uma grande diferença. Mas como, com tão poucas palavras ao nosso dispor? Palavras são ferramentas que usamos para desmontar o mundo e remontá-lo dentro da nossa cabeça. Sem as ferramentas precisas, ficamos a espanar parafusos com pontas de facas, a destruir porcas com alicates. 

Com 2 anos, meu nariz escorria sem parar na sala de aula. Eu não sabia assoar, nem sequer sabia que existia isso: assoar. Apenas enxugava o que descia na manga do uniforme, conformado, até ficar com o nariz assado. 

Lembro-me bem da sensação da meia sendo comida pela galocha enquanto eu andava. A cada passo, ela ia se engruvinhando mais e mais na frente do pé, faltando no calcanhar, e eu aceitava o infortúnio como se fosse uma praga rogada pelos deuses, uma sina. Não passava pela minha cabeça trocar de meia, desistir da galocha, pedir ajuda aos adultos: a vida era assim, não havia o que fazer. 

Numas férias, meu pai apareceu antes do combinado para pegar minha irmã e eu na casa dos meus avós. Durante 400 quilômetros, falou que existiam pessoas boas e pessoas más, que aconteciam coisas que a gente não conseguia entender, que mesmo as pessoas más podiam fazer coisas boas e as pessoas boas, coisas más. Já quase chegando a São Paulo, contou que nosso vizinho, de 6 anos, tinha levado um tiro. 

Naquela noite, enquanto as crianças da rua brincavam - mais quietas do que o habitual, sob um véu inominável -, um dos garotos disse: "Bem-feito! Ele é muito chato". Hoje, penso que pode ter sido sua maneira de lidar com uma realidade esmagadoramente mais forte do que ele. 

Meu vizinho, felizmente, sobreviveu. Nossa ingenuidade é que não: ficou ali, estirada entre amendoeiras e paralelepípedos, sendo iluminada pela lâmpada intermitente de mercúrio, depois que todas as crianças voltaram para suas casas.


Por Antônio Prata.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Cinema - Resenha de "Divertida Mente"

Olá leitores,

Hoje tratarei em expor o que achei da animação "Divertida Mente", que estreou nos cinemas no mês de junho deste ano. Quero começar falando que gosto muito de filmes de animações, pois, os mesmo são produções de qualidade e que não são destinados apenas às crianças, mas também aos jovens e adultos. São filmes que tratam de temas diversificados e interessantes, e os retratam de maneira intuitiva, bacana, lúdica e na maioria das vezes cômica. 

Este filme não se diferencia do que as demais animações apresentam, e torna-se mais um excelente produto, capaz de tratar algo real através de um enredo baseado no colorido, divertido e infantil. A psicologia encontra-se bem inserida no filme, onde os sentimentos e noções de Riley, são mostradas de modo fantasioso e bacana para o entretenimento.

Na mente da criança existe a Alegria, a Tristeza, o Raiva, o Medo e a Nojinho. Cada personagem possui a sua peculiaridade e ajuda a constituir o que é a menina, como ela aje, como pensa e como lida com as circunstâncias. 

No decorrer do filme, aventuras acontece na mente de Riley, as memórias bases dela estão correndo risco, bem como a totalidade de sua personalidade. Assim, a Alegria e a Tristeza partem para uma aventura na mente da criança. É retratado também, as peculiaridades, lembranças e memórias, como o amigo imaginário que desenhava na infância, o mesmo que se personifica dentro de sua mente. 

O ponto alto do filme é quando a mente de Riley encontra-se conturbada, pois, apenas o Medo, o Raiva e a Nojinho controlam suas atitudes. Até que a Alegria e a Tristeza conseguem chegar a cúpula central da mente e recolocam as memórias bases. 

Enfim, para quem gosta de filmes que tratam de assuntos bacanas, como a psicologia retratado de modo descontraído em "Divertida Mente", é uma excelente escolha este título. Espero poder resenhar outros filmes aqui no Blog, para ajudar alguns leitores que se sentem perdidos na hora de escolher um filme para assistir com os amigos ou com a família. 

Espero que gostem do filme, caso se interessem em assistir. Aproveitem para deixar nos comentários, as opiniões em relação a animação comentada. 


Por Lucas Afonso de Souza.


sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Poemas - "No meio do caminho" e "José"


Carlos Drummond de Andrade



No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?



Por Carlos Drummond de Andrade.


terça-feira, 13 de outubro de 2015

Poema - "Rifa"


Clarice Lispector



Rifa

Rifa-se um coração quase novo. 
Um coração idealista. 
Um coração como poucos. 
Um coração à moda antiga. 
Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário.

 Rifa-se um coração que na realidade está um pouco usado, meio calejado, muito machucado e que teima em alimentar sonhos, e cultivar ilusões.
 Um pouco inconsequente que nunca desiste de acreditar nas pessoas. 
Um leviano e precipitado, coração que acha que Tim Maia estava certo quando escreveu...
 "não quero dinheiro, eu quero amor sincero, é isso que eu espero...". 
Um idealista... Um verdadeiro sonhador... 

Rifa-se um coração que nunca aprende. 
Que não endurece, e mantém sempre viva a esperança de ser feliz, sendo simples e natural. 
Um coração insensato que comanda o racional sendo louco o suficiente para se apaixonar.
 Um furioso suicida que vive procurando relações e emoções verdadeiras.

 Rifa-se um coração que insiste em cometer sempre os mesmos erros. 
Esse coração que erra, briga, se expõe. 
Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões. 
Sai do sério e, às vezes revê suas posições arrependido de palavras e gestos. Este coração tantas vezes incompreendido. 
Tantas vezes provocado. 
Tantas vezes impulsivo. 

Rifa-se este desequilibrado emocional que, abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas, mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto. 
Um coração para ser alugado, ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes. 
Um órgão abestado indicado apenas para quem quer viver intensamente e, 
contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida matando o tempo, 
defendendo-se das emoções.

 Rifa-se um coração tão inocente que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário. 
Um coração que quando parar de bater ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas:
 " O Senhor poder conferir", eu fiz tudo certo, só errei quando coloquei sentimento. 
Só fiz bobagens e me dei mal quando ouvi este louco coração de criança que insiste em não endurecer e, se recusa a envelhecer".

 Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro que tenha um pouco mais de juízo. Um órgão mais fiel ao seu usuário. Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga. Um coração que não seja tão inconsequente. 

Rifa-se um coração cego, surdo e mudo, mas que incomoda um bocado. 
Um verdadeiro caçador de aventuras que, ainda não foi adotado, provavelmente, por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais, por não querer perder o estilo.

 Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree. 
Um simples coração humano. 
Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado. 
Um modelo cheio de defeitos que, mesmo estando fora do mercado, faz questão de não se modernizar, mas vez por outra, constrange o corpo que o domina. 
Um velho coração que convence seu usuário a publicar seus segredos e, a ter a petulância de se aventurar como poeta.


Por Clarice Lispector.


domingo, 11 de outubro de 2015

Poema - "Poema de Sete Faces"


Carlos Drummond de Andrade



Poema de Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


Por Carlos Drummond de Andrade.

sábado, 10 de outubro de 2015

Vídeo - Show completo da Jessie J no Rock In Rio 2015 USA

Compartilho com vocês o show de uma excelente cantora, a Jessie J. Confira o show completo dela no Rock In Rio 2015 nos Estados Unidos. Muito bom!





Por Lucas Afonso de Souza.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Minhas Redações - Redação 05

Tema: Violência escolar: expor o problema e sugerir soluções.

Título: Escola: espaço de aprendizado e não de agressão.


Algo preocupante na sociedade é a questão da violência que alcança vários espaços e instituições sociais, onde infelizmente a escola se tornou vítima há algum tempo. Deste modo, jovens e crianças se encontram propensos a se relacionarem em ações violentas e cruéis que são totalmente distintas do espaço escolar.

O avanço das tecnologias utilizadas pela massa são elementos cruciais que permitem a promoção e disseminação de conteúdos irregulares e ofensivos aos jovens, que acabam se influenciando negativamente a cometerem atitudes errôneas e desumanas. Ou seja, há uma falha ou desvio ocorrendo para que esses jovens desenvolvam tais ações. A participação contínua e persistente da família na vida do filho pode servir como controle em mudanças de hábito e personalidade.

Notícias sobre ocorrências de brigas violentas em colégios se tornam cada vez mais frequentes. Outro fator determinante que causa esta violência desmedida entre jovens é a droga, componente capaz de alterar as noções racionais e conscientes do usuário e o transforma em um indivíduo agressivo e violento. É possível analisar perante os dados do problema que a violência escolar ocorra em maiores escalas nos locais onde há o descaso humanitário e a ausência de investimentos necessários para regredir este grave problema.

Propor métodos e campanhas educativas de conscientização é viável diante desta situação. Educar da maneira mais concisa, correta e clara é preciso, pois, é com a orientação certa que os jovens estudantes visualizarão os efeitos danosos que a prática da violência causa na vida de quem difundi tal erro. Os discentes perceberão aprendendo e recebendo da melhor forma estas iniciativas que a educação e valorização à vida são os caminhos essenciais na obtenção de uma prosperidade futura.





Tema proposto pelo Banco de Redações do UOL.

Autor: Lucas Afonso de Souza.


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